quarta-feira, 12 de setembro de 2012

SALTANDO OBSTÁCULOS E DESABOTOANDO TRILHAS.



SALTANDO OBSTÁCULOS E DESABOTOANDO TRILHAS.

Postado por:  em set 11, 2012 

A confissão mais clara, aquilo que me motiva nesses últimos anos, é um grito: a comunidade de artistas cristãos é digna de receber a cidadania brasileira! Mais merecedores são aqueles que a buscam amparados na força de seu gênio artístico eengenhosidade musical, literária ou  teatral. Sim, porque o fato do Ministério da Cultura reconhecer a música religiosa como manifestação cultural é chover no molhado, é incluir no ofício aquilo que já existia na rua: a música e o mercado da religião. Porque cultura não é um conceito retórico, é também número, artefatos produzidos e consumidos, som e massa. Mas o que ainda falta para nós que não justificamos nossa arte com o argumento religioso?

O primeiro passo conseguimos dar em 2010 quando lançamos uma frase que não deixou de ser uma provocação, um ruído dissonante dentro daquele marasmo intelectual que vivíamos: “banda brasileira de rock”! Opa! Quatro rapazes vindos da igreja, que tocam na igreja e se vestem como caras da igreja e que cantam temas da igreja, ei, banda brasileira de rock? Vai ouvindo…
Eduardo Barcellos, Caminho Casa Trabalho, 1995

Como adolescentes passando no vestibular e descobrindo a vida adulta, o Palavrantiga encontrava seu lugar no mundo. Eu também me encontrava depois de padecer num deserto cheio de dúvidas depositadas na minha cuca pelos sabichões do mainstream: “ou você escolhe ser lançado como gospel ou secular”. Isso reverberava na minha cabeça e obviamente encontrava muitas resistências racionais pelo fato de já ter me filiado a outra cosmovisão que não partilhava desses muros. Todos que acompanham esse blog e me dão a honra dos seus ouvidos sabem que a visão cristã reformada a respeito da cultura, e falo dos neocalvinistas (Dooyeweerd, Kuyper, Rookmaaker), é uma herança centenária que nos permite ir além da oposição religioso/secular.  Desde que me deparei com essa tradição, deixei de responder aquelas perguntinhas chatas e batidas: “você ouve música secular?” “a sua vassoura é gospel?” (bem, isso foi sarcasmo, ninguém nunca levou essa discussão para a cozinha, nem para o quarto…. ops!). Então, voltando ao raciocínio; quando nos incluímos no rock nacional, sem entrar em eleição, sem pedir permissão a ninguém, baseados apenas na consciência, na legislação brasileira e na liberdade de expressão, jogamos água sobre as nossas cabeças e batizamos nosso trabalho de música brasileira. Ponto. Quem dirá que não é?

Bonadei, O Caminho das Linhas, 1970
Seguindo… Um pouco mais atrás deixei outra pergunta: o que ainda falta? Não precisamos esperar um nome para esse movimento pós-música-religiosa, pós-movimento-gospel, pós-dualismo. Nem precisamos esperar que a Dilma nos dê o selo de cidadania artística. O texto sempre surge depois das ideias. E como diz Riobaldo em Grande Sertão Veredas, “muita coisa importante falta nome”… Só nos falta trabalhar! Isso quer dizer: não basta escrever uma carta dizendo “estou fora do movimento gospel”. Você está dentro de onde? Tomara que não seja no “secular”, pois essas categorias já enferrujaram e não correspondem a realidade. Nos falta trabalhar! Criar, inventar, se relacionar com a Beleza, traduzir, narrar, gritar a Verdade, pintar, interpretar e viver a Boa Nova em português brasileiro.

Abri meu coração para o mestre e amigo Guilherme de Carvalho no nosso último encontro em Belo Horizonte. Disse a ele: as vezes parece que essas coisas que digo soam como uma farsa, pois embora na minha mente elas já aconteceram e boa parte disso já experimentamos (Love, FNAC, UFMG, Oxigênio), nem todos os leitores têm acesso a essas informações e outros fatos vividos por caras como Os Crombie, Tanlan, Lorena Chaves, Salomão do Reggae, Rodolfo Abrantes, Jorge Camargo, Carlinhos Veiga, Banda de Boca, etc… Mas, parodiando uma citação não autoral de Marina Silva: aquela trilha no início se parece com um desvio, mas um dia acaba virando caminho!

Produtores, jornalistas, empresários, designers, cineastas, roteiristas, escritores, dançarinos, atores, diretores, fotógrafos, blogueiros, políticos, pastores, padres e bispos, nos falta trabalhar! Vamos criar artefatos que traduzam a nossa vida, a nossa experiência de povo e de indivíduo. Indivíduo este que recebeu uma grande herança: a criação dos nossos pais, do Samba ao Mangue Beat, da Tropicália ao Rock dos Titãs, e sobretudo, além de toda bagagem cultural, recebeu a graça de conhecer intimamente o Deus pessoal que reconciliou a humanidade consigo mesmo através do seu Filho. Nos falta trabalhar!

Nesse último final de semana estive em Campo Grande no Mato Grosso do Sul. Após o show, uma jovem atriz – não tinha mais que 25 anos – me procurou para compartilhar um sonho. Ela gostaria de fazer uma performance sobre certa canção que gravamos no primeiro disco e pedia autorização para trabalhar a música. Vibrei! Não só por me sentir honrado com a escolha da trilha, mas por ver na sua fala uma vontade de ser atriz brasileira que fala daquilo que vive e experimenta, sem justificativas religiosas ou evangelísticas, apenas para embelezar o mundo e subverte-lo com o maior evangelismo que um artista pode fazer: ser honesto com sua criação, sem medo do feio e do belo, sendo artista apenas.
Jose Antonio da Silva, Caminho da Festa, 1968
Uma última constatação colhida nessa caminhada bandeirante, abrindo trilhas fora das rotas convencionais: descobri que não existe evangelismo que substitua a pregação da palavra. Falo agora especificamente aos crentes. Você que visita o sítio e curte o assunto, mas não é religioso,  também fique sabendo: cuidado com a pregação das Escrituras! Coloque 30 bandas religiosas tocando e berrando qualquer estilo, movimentando, entretendo e balançando a galera justificados por uma letra teológica-humanística, pois bem… agora pegue esse mesmo público e coloque diante de um pregador. Não tenho dúvidas, a fé vem por ouvir a palavra de Deus e a palavra não é vocabulário nem letra, não é som nem silêncio. Quem prega a palavra sabe disso…
Artistas e todos os membros dessa comunidade cultural emergente tão carente de afirmação e incentivo: se querem evangelizar, preguem a palavra, se querem cantar, façam uma canção. Façam isso no meio do mundo, neste mesmo chão que agora sustenta os velhos muros e também serve para os novos adolescentes brincarem, saltando obstáculos de forma arteira enquanto a gente avança rumo àquilo que é inteiro.

Marcos Almeida é integrando Palavrantiga é escreve no blog Nossa Brasilidade.

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