Bonhoeffer e
Maria von Wedemeyerviveram um amor poderoso e intenso, que a censura e a distância não conseguem enfraquecer, um amor que se alimenta também da fé comum, até o último e fugaz encontro em setembro de 1944 na prisão de
Tegel e na extrema carta de dezembro desse mesmo ano.
A análise é de
Gianfranco Ravasi, cardeal presidente do
Pontifício Conselho para a Cultura, em artigo publicado no jornal
Il Sole 24 Ore, 24-06-2012. A tradução é de
Moisés Sbardelotto.
Eis o artigo.
Mesmo quem não tem muita familiaridade com a teologia, mas conhece o clima cultural reativo ao nazismo e a força da espiritualidade no compromisso social do século XX, já ouviu falar de
Dietrich Bonhoeffer, filho de uma família burguesa, nascido no dia 4 de fevereiro de 1906 em
Breslau. Provavelmente, também terá lido a sua obra mais popular,
Widerstand und Ergebung [na versão brasileira
Resistência e submissão, publicada pela editora EST, 2003].
A sua figura é emocionante, não só em nível teológico, mas também pela sua pura e simples biografia. Ela, como se sabe, teve um fim trágico, primeiro, na cela 92 da prisão berlinense de
Tegel (era o dia 5 de abril de 1943), depois no campo de concentração de
Buchenwald e, por fim, em
Flossenbürg, um vilarejo bávaro, onde ele foi enforcado por ordem de
Hitler no dia 9 de abril de 1945, e o seu corpo foi queimado em uma fogueira.
O médico do campo de concentração, que desconhecia quem era o enforcado, confessou mais tarde que havia ficado comovido com o comportamento "daquele homem profundamente simpático", que, antes da execução capital, "havia se ajoelhado em profunda oração com o seu Senhor... e então havia subido, corajoso e resignado, a escada do patíbulo. Na minha atividade médica de 50 anos, nunca vi um homem morrer com tanta confiança em Deus".
Por trás desse ainda jovem pastor protestante, havia uma intensa existência teológica que fez dele um dos personagens mais originais do pensamento religioso do século XX, ao lado daquele
Karl Barth com quem havia compartilhado a oposição clara ao regime dentro da Igreja "confessante", mas da qual era distante em alguns percursos teológicos.
A reconstrução biográfica mais completa, pontual e atenta também ao itinerário teológico bonhoefferiano continua sendo a do amigo
Eberhard Bethge, que apareceu em 1966 (
Dietrich Bonhoeffer. Teologo cristiano contemporaneo. Una biografia, Ed. Queriniana, 1975, reeditada em 2004).
Agora, aparece em versão italiana, a pouca distância do original em inglês, um outro perfil de corte documentário-narrativo, mas marcado por uma apaixonada sintonia humana. Ele foi traçado por um conhecido jornalista e escritor norte-americano,
Eric Metaxas, que, em certo sentido, assume como lema duas frases do pastor mártir.
A primeira é testemunhal: "O silêncio diante do mal é ele mesmo um mal. Não falar é falar. Não agir é agir". A segunda é mais teológica: "A graça barata é o inimigo mortal da nossa Igreja. Nós lutamos hoje pela graça a caro preço". Deus, de fato, oferece a sua salvação através de um ato de amor "caro", a doação sacrificial do Filho Jesus Cristo.
Certamente, seria muito sugestivo seguir o mapa de um pensamento que desembocou há apenas 21 anos com a tese de
doutorado de corte eclesiológico-social e que avançou na especulação sistemática com os sucessivos escritos teóricos que, porém, ainda conservam em seu interior uma carga vital muito provocante. Pense-se, por exemplo, na sua candente interrogação sobre o debate que a fé cristã deve instaurar com um mundo "adulto" e secular, para o qual é necessária a figura de um
nicht religiöses Christentum, ou seja, de um cristianismo não religioso, mas que conserva – como uma semente fecunda na terra – a sua alma profunda mística e salvífica.
O testemunho da íntima espiritualidade de uma fé, que opera em um horizonte de realidade "penúltima", mas que sempre está voltada às verdades "últimas", não separadas ou alienadas, m as sim entrelaçadas com a história, é visível no admirável tríptico
Seguimento,
A vida comum e
Ética (que ele considerava como a sua maior obra), obras totalmente disponíveis em italiano por mérito da editora Queriniana, da Bréscia.
O relato de
Metaxas, que tem como pano de fundo acima de tudo a trama existencial dos 39 anos da vida de Bonhoeffer, é igualmente fascinante, até porque vibra o ideal decacordo da harmonia de uma alma cujo canto se desenrola leve e luminoso sob o céu obscuro de uma época de opressão e sobre uma terra marcada pelo sangue de milhões de vítimas.
Os trechos textuais que estão decorados nas páginas da biografia geram um constante tremor de consonância com a experiência vivida pelo protagonista, impedindo, porém, toda tentação de indultar a hagiografia enfática. A nós, agora, basta apenas evocar uma passagem de
Resistência e submissão, diário espiritual do cárcere. É a "oração da manhã" para o Natal de 1943: "Está escuro dentro de mim, mas junto de Ti há luz; eu estou sozinho, mas Tu não me abandonas; estou com medo, mas Tu me ajudas; estou inquieto, mas junto de Ti há paz; em mim há amargura, mas em Ti quietude; eu não compreendo os Teus caminhos, mas Tu conheces a minha vida".
Um capítulo doce e terno da biografia de
Metaxas é o de
Bonhoeffer apaixonado. Agora, a citada editora Queriniana decidiu oferecer uma reedição das emocionantes
Cartas à namorada Maria von Wedemeyer, que havia confessado a
Dietrich que, depois da sua prisão (5 de abril de 1943), "ao redor da minha cama, com giz, eu tracei uma linha grande como a tua cela. Há uma mesa e uma cadeira, como imagino que seja contigo. Quando estou sentada ali, parece-me quase que estou junto de ti".
É um amor poderoso e intenso, que a censura e a distância não conseguem enfraquecer, um amor que se alimenta também da fé comum, até o último e fugaz encontro em setembro de 1944 na prisão de
Tegel e na extrema carta de dezembro desse mesmo ano.
Maria, que então tinha pouco mais do que 20 anos, viveria até 1977.