segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Artificialidades transformadas em natureza humana!




 
Jesus disse que pouco é necessário, que mesmo a uma só coisa a vida pode ser reduzida em sua simplicidade sem que nada dela seja essencialmente supresso.

Tal declaração, entretanto, nos soa apenas poética. Sim, coisa de Deus ou de maluco!

Isto porque para nós há um mínimo necessário e sem cuja presença [de tais coisas] em nossas existências tudo parece estar faltando. A cada dia falta mais e se precisa de mais...

Todavia, nem sempre foi assim, e, ainda hoje, para muitos povos, não é assim. Nós, no entanto, mesmo ao sabermos e vermos acerca de tais pessoas, povos ou comunidades, para não nos perguntarmos sobre o real significado do que seja a verdadeira necessidade do existir e do ter na existência, sentimos pena de tais grupos ou indivíduos, e, como ressignificação da nossa humanidade, decidimos que eles precisariam ter tudo o que temos para que fossem pessoas felizes.

Naturalmente, o homem precisa comer, precisa beber, precisa ter algo sobre a cabeça, precisa vestir algo, e, sobretudo, precisa interagir!...

Assim existiu a humanidade por milênios. Desse modo chegamos todos nós até aqui... Isto porque o conceito de pobreza vinha do quase nada ter, ou do risco diário da fome. Já a miséria era não ter acesso a nada mesmo. E, quando digo “nada” [...] refiro-me apenas às coisas acima ditas como essenciais às milhares de gerações que nos precederam na história humana.

Sim, pouco é necessário [...]; e, para Jesus, no fim de tudo, apenas uma só coisa não poderia faltar!

O pouco necessário já vimos o que era pelo exemplo das gerações que nos precederam no tempo. Já esta “uma só coisa” a que Jesus fez referencia tem a ver com “a Palavra que sai da boca de Deus”; a qual não nos impede de morrer de fome e de sede; não nos protege de intempéries, não nos abriga do frio, não nos provê amizades, não nos impede o morrer físico, mas nos garante significado mesmo morrendo...

Assim Jesus nos ensina que no fim de tudo [...] a única coisa que importa como elemento essencial à vida é significado de ser; o qual, para o espírito, não advém de nada que se possa ter; seja pouco, seja muito!

É desse significado essencial que alguém existe para Deus na vida; e o que disso passar já se trata daquilo que se precisa de modo fundamental, mas não de modo essencial.

Todavia, tão estranho tornou-se tal conceito que a maioria dos que me leem agora, neste instante, julgam-me como sendo um irrealista antiquado e até mesmo um hipócrita. Afinal, que dizer dos nossos sapatos e sapatos, de nossas muitas calças e camisas, de nossa obsessão pela casa própria, da nossa ambição justificada e abençoada por carros, por luz elétrica, por água encanada, por aparelhos diversos em toda a casa, por computadores, por celulares, por televisão, por telecomunicações, pela Internet, e por milhões de outros aparatos sem os quais não sabemos mais viver? E mais —: por cuja falta, ainda que por uma semana, entraríamos em estado de guerra urbana e vandalismo incontrolável?

No principio havia um jardim... E foi do desejo de comer mais do que havia no jardim, sobretudo do desejo de comer o que tinha a promessa de um significado imponderável, o qual nos faria deuses como Deus, que nasceram todas as nossas crescentes necessidades, tanto as existenciais como as materiais.

Daí tudo decorre...

Por exemplo, o culto de Caim já carregava a gratidão pela tecnologia que lhe permitia produzir em escala superior ao que o jardim produzia de si mesmo. Sim, o culto de Caim trazia em si o germe das necessidades criadas pelo homem na expressão de uma forma de gratidão pela existência de coisas que já não eram totalmente naturais. E se diz que foi da geração de Caim que a tecnologia surgiu com seu valor inafastável para os humanos.

Daí em diante houve os surtos dos valores agregados à existência, sendo que na Antiguidade Bíblica a Torre de Babel tornou-se o arquétipo maior de tal necessidade artificial tornada necessidade natural dos humanos.

Para nós o natural passou a ser tudo o que se pode criar, inventar, realizar, concretizar; e isto em todas as perspectivas da existência!
É desse modelo espiritual, psicológico e existencial que ficou estabelecido para a humanidade que tudo o que não seja natural, uma vez criado, passa a ser uma realidade natural, por mais artificial que seja!

Jesus não radicalizou contra tal constatação; afinal, no mandato cultural que existia no mandamento divino dado ao homem no Éden, havia o lugar para o crescimento civilizatório; embora não houvesse nenhuma indução ao surto civilizatório; e a destruição de Babel bem expressa tal diferença.

Sobre Jesus se pode dizer que Ele andava vestido, mas não carregava um guarda-roupa; servia-se eventualmente de um jumento, mas andava a maior parte do tempo com as próprias pernas; dispunha de um barquinho, mas não tinha uma frota; não fazia aquisições, mas aceitava presentes.

O mesmo se pode dizer dos Seus apóstolos, embora houvesse entre os discípulos pessoas com muitas posses, todas elas, entretanto, dia a dia postas a serviço do Significado de Ser, conforme ensinado por Jesus.

[...]
Meu celular tocou... Era um amigo doente... Vai operar um câncer. Parei para atendê-lo!
[...]

Aqui estou eu, escrevendo sobre isto num Laptop, com um I-Phone na mesa, com um relógio no pulso, com tênis nos pés, e tomando um café feito em uma máquina. Sim, digo isto, e, logo depois, postarei na Rede de Computadores, a Internet, a fim de que milhões leiam... Que hipocrisia?!

Nem tanto! Afinal, sei viver sem nenhuma dessas coisas e não as tenho como significados de nada; e a ausência delas não me tira pedaços; e seu fim não me acaba!...

Foi Paulo quem nos equacionou a existencialidade de tais usos, quando disse que os que se utilizam deste mundo sejam como aqueles que dele não se utilizam; do contrário, tornamos artificialidades em extensões naturais da vida; o que se torna desastroso!

O fato é que existindo, mais cedo ou mais tarde, todos nós, em podendo, passamos a nos utilizar “das coisas”. O problema, todavia, é que logo, logo as coisas passam a ser/nós para nós; e todo aquele que não as tenha sente-se como se não tivesse significado na vida; e isto é Idolatria. E toda idolatria é desumanização!

Agora mesmo fiquei sete anos sem celular. Vivi muito bem sem ele. E voltei a usá-lo apenas em razão de falar melhor com minha neta que mora no Rio, e, também, a fim de gastar menos dinheiro em certas comunicações com os que me ajudam no dia a dia. Também decidi ficar dois anos sem escrever no site. E fiquei. Continuo sem abrir e-mails. Não sei ainda se voltarei a abri-los. E acho saudável quando ficamos por um tempo sem energia elétrica, pois, são bons tais desconfortos. Melhor é ainda quando tenho a chance de passar uns dias no mato, sem nada, apenas com o mínimo necessário, pois, de muitos modos, sinto-me mais humano, mais completo.

Nada ideológico e nada radical, mas apenas um exercício de liberdade e de ressignificação existencial. O mesmo se dá com tudo o mais... Raramente compro qualquer coisa para mim. Ganho presentes e os uso. Se não os ganho também não sinto falta. Não tenho nenhuma vontade especial de ter nada para mim. E, sinceramente, muito me admira quando vejo pessoas lambendo as aquisições das outras como se fossem cabeça, tronco e membros que nelas faltassem e lhes tivessem sido implantados... E mais: me perplexifica a cara de conquista de quem exibe um equipamento novo, como se aquilo tivesse elevado a pessoa a algum nível, quase espiritual, e, por vezes, espiritual mesmo.

É o tal do “ser alguém” que a Serpente nos “vendeu” faz tempo, e que hoje tem as formas que tem — indo de graduações acadêmicas ao dinheiro e ao status; e, agora, a esta infindável Babel de consumo de inteligência artificial. Logo chegará a Era dos Implantes de Chips, e, então, não ter um chip implantado será equivalente a se ser um ente amputado.

O fato é simples:
TODA CRIAÇÃO ARTIFICIAL DOS HUMANOS GANHA EM INSTANTES O STATUS DE REALIDADE NATURAL SEM A QUAL A HUMANIDADE “ESCLARECIDA” DIZ JÁ NÃO SABER VIVER SEM TAL ADIÇÃO!

Assim crescem as galhadas da Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal sobre as nossas cabeças, e poucos são os que se dão conta disto!

Na realidade não creio que haja reversão para tal processo. O máximo que se pode fazer é buscar a vida de um John Stott, que decidiu viver com o mínimo de tais coisas; ou, não se podendo ir tão longe assim, pelo menos mantermo-nos atentos quanto à incorporação plástica de tais aparatos em nós, usando-os com moderação e suspeitando de seu significado excessivo como quem suspeita acerca de toda possibilidade de tentação.

O que se deve ter em mente é que a vida não são tais coisas; e mais: que ainda hoje milhões de humanos vivem felizes sem nenhuma dessas coisas; e ainda: que a grande desgraça é quando consideramos tais artificialidades como valores agregados e até incorporados à nossa vida, e não como meras possibilidades de uma certa forma de existência, não de vida.

Por último, deve-se crer e saber que é uma tendência diabólica imposta sobre nós [essa] que nos faz sentir e pensar que tais coisas sejam essenciais à vida; ou mesmo que sem tais coisas sejamos menos humanos do que humanos possamos ser sendo simplesmente nus na existência; porém dotados de todos os recursos do amor e da bondade que se alimenta da Palavra mais essencial do que até mesmo pão e água.

Se o apostolo João me lesse hoje, diria: “Filhinho, fugi dos ídolos!”

Nele, como usuário das parafernálias que não permito que me usem,

Caio
6 de janeiro de 2012
Copacabana
RJ
 

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